Quando o sistema prisional funciona


Num cenário marcado pela violência e criminalidade, o que mais se ouve da população é que o sistema carcerário no Brasil está falido. Se quem está fora já vive esse drama, a realidade para mais de 11 mil presos em Goiás pode ser ainda pior, principalmente para aqueles que conquistam ao longo dos anos atrás das grades o direito de voltar à sociedade. 

A reinserção social é um desafio no País e, talvez, o principal adversário de um ex-presidiário. Para enfrentá-lo não existem fórmulas mágicas, mas sim, políticas públicas capazes de reduzir o ócio dentro dos presídios e o apoio da sociedade e das instituições privadas para melhorar essa realidade do sistema penitenciário brasileiro.

A oferta de trabalho e educação nos presídios faz parte das políticas de reintegração dos detentos e é de responsabilidade de cada Estado. Em Goiás, a política de reinserção social desenvolvida pela Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Agsep) é executada sobre três pilares: educação, trabalho e assistência social. Isso implica, conforme o órgão, em qualificação profissional, promoção de saúde, lazer, cultura, arte e assistência religiosa.

Se por um lado o Estado tenta ressocializar presos, mesmo com uma série de problemas no sistema, como a superlotação nas cadeias, por outro, os detentos sentem na pele os reflexos do preconceito e da discriminação por parte da sociedade. O estigma é tão evidente que até mesmo reeducandos que tiveram a pena extinta após cumprimento de sentença evitam ser identificados por medo de represálias e exclusão.

O Diário da Manhã encontrou ex-presidiários que estão na faculdade, mas nenhum deles quis expor o nome e a imagem. É como se ainda continuassem presos atrás de grades e algemas invisíveis. Um ex-detento de 26 anos conclui no próximo ano o curso de Ciências Contábeis. Conquistar o diploma de um curso superior sempre foi um dos sonhos da vida dele.

O universitário afirma que a formação acadêmica tem contribuído de maneira significativa para o seu processo de ressocialização. Hoje, além de estudar, exerce o cargo de gerência operacional em uma empresa de Goiânia, com um bom salário, que prefere não revelar. Ele é casado e tem um casal de filhos.

O ex-presidiário cumpriu pena por assalto. Dois anos depois, conquistou o direito de ir para o regime semiaberto, e nesta época retomou os estudos numa instituição de ensino superior. Por esse motivo, tem medo de assumir publicamente o passado e ser condenado mais uma vez, só que, agora pelo clamor social. “A sociedade ainda é muito preconceituosa e por isso corro risco de ter que abandonar os estudos.” 

Por outro lado, o rapaz afirma que o ensino na faculdade tem lhe ajudado muito na ressocialização. “Tenho orgulho desse momento porque é completamente diferente do meu passado, que eu não gosto de relembrar.” O ex-reeducando conta com alegria que hoje é um dos melhores alunos da sala de aula. Não tem média inferior a 8 no histórico escolar. 

O ex-detento atribui a Deus a oportunidade de voltar à sociedade. Ele foi agraciado no final de 2011 com indulto. 

Um outro ex-presidiário, 37 anos, também se prepara para em breve exercer a profissão na qual tem investido tempo e estudo. Ele frequenta há quase três anos uma instituição de ensino superior em Goiânia. Bastante animado, tenta esquecer o passado à medida que aprende em sala de aula a importância da educação na sua rotina. “O estudo ensina a gente a ser mais cidadão e zeloso por aquilo que é justo e correto.”

O ex-detento cumpriu pena em regime fechado durante seis anos por assalto e a condenação foi extinta este ano. Depois desse período na cadeia, o universitário afirma que aprendeu a dar mais valor na vida e no próximo, embora tenha que conviver com o preconceito da sociedade. “Já passei por isso, só que agora as minhas ações são outras. Qualquer convite para atos ilícitos, digo não. Quando as pessoas querem, elas podem mudar.”

Redução

O reeducando que deseja iniciar ou dar continuidade aos estudos fora da prisão precisa de autorização da Justiça e isso só é necessário nos casos de reeducandos que cumprem penas em regime semiaberto ou aberto. Caso esteja em regime fechado o curso é oferecido dentro da unidade prisional.

A educação em todos os níveis também proporciona a redução no cárcere. Para cada 12 horas de estudo, será remido um dia da pena a ser cumprida. Em relação ao trabalho, a cada três dias, será reduzido um dia da pena. Hoje, mais de 3,6 mil dos detentos em Goiás têm entre 18 e 24 anos, faixa etária que, normalmente, deveria estar no ensino superior. Até o primeiro semestre deste ano, o Estado era responsável por 35 detentos que frequentavam as salas de aula de uma faculdade. Hoje, são apenas 16. 

Mais de mil pessoas que compõem a população carcerária de Goiás se declaram analfabetas e mais de 3,3 mil admitem ter passado apenas pela alfabetização. De acordo com o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça (MJ), apenas 8,4% (513.802) detentos brasileiros dedicavam parte de seu tempo aos estudos. 

Liberdade

Para o presidente da Agsep, Edemundo Dias, a educação e o trabalho são as ferramentas imprescindíveis para a libertação do homem, principalmente do excluído e do menos favorecido. Ele cita que o grande estadista Nelson Mandela diz que só se conhece realmente uma nação pela forma como ela trata as pessoas mais simples e não os mais abastados. 

“Talvez o cárcere seja o maior aferidor do grau de evolução democrática de uma nação.” Dias sempre defendeu a ideia de que é possível reintegrar o criminoso à sociedade. Segundo ele, neste contexto, se deve odiar o crime, mas não o criminoso. “Isto no sentido de que somos a palmatória da sociedade ou instrumentos de vingança.” 

Ele, que também é delegado, ressalta que o trabalho de reinserção é uma tarefa para pessoas vocacionadas, que creem na recuperação do ser humano. “Por meio de uma nova chance, pode-se devolver-se a esperança para quem já perdeu. Não podemos exercer função apenas de justiceiros da sociedade. Temos que compreender que a nossa função transcende a tarefa de custodiar presos”, diz. 

Para a juíza da 4º Vara Criminal de Goiânia, Telma Aparecida Alves, é positivo o impacto que a formação acadêmica tem na rotina do reeducando. “Sair do sistema carcerário com essa formação construída diante de tanta dificuldade com certeza contribui para a mudança do paradigma da situação social do egresso.”

Segundo a magistrada, a ideia de que o preso pode ser recuperado é errada, porque não se recupera uma pessoa tirando dela sua liberdade e dignidade. “A recuperação acontece quando um reeducando muda seu olhar para o futuro com a perspectiva positiva de mudança de vida. A oportunidade de estudo, trabalho e convivência na comunidade como seu integrante lhe devolve a dignidade perdida. Esse é o objetivo da política de reinserção.”

DÉFICIT

Para a secretária-geral da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Secção de Goiás, Mônica Araújo de Moura, não há programas de ressocialização de presos suficientes que sejam capazes para atender toda a população carcerária, nem mesmo há estrutura carcerária que possa atender esse problema, a exemplo do déficit de vagas.  

Segundo ela, no Estado, a Agsep tem tentado essa ressocialização, porém de forma lenta. “É preciso investir mais. É preciso tratar esse problema como indispensável e emergencial.” 

Aula atrás das grades

Atualmente, 920 reeducandos frequentam aulas dentro de Unidades Prisionais em Goiás. No total são 30 estabelecimentos que ofertam ensino público regular, seja no ensino fundamental ou médio. Dentro das cadeias e presídios concentra-se uma massa de analfabetos ou de pessoas que aprenderam apenas a escrever o próprio nome ou ler frases curtas. 

Esta é a situação de Divino Francisco Cordeiro, 42, que há quase um ano voltou às salas de aula, mas desta vez na prisão. Na verdade, o reeducando frequentou a escola ainda na infância, mas nada aproveitou dessa época. Somente no ano passado decidiu recuperar o tempo perdido e a única alternativa encontrada foi no Programa de Educação Para Jovens e Adultos (EJA), com aulas ministradas durante quatro dias da semana no Presídio de Trindade, cidade que fica a 18 quilômetros de Goiânia. 

O detento é semianalfabeto, mas mostra que tem levado à sério o ensino ofertado dentro da unidade prisional. A pedido do DM, ele escreveu o próprio nome no quadro. Divino declara que matemática é a matéria preferida dele e com força de vontade tem buscado na educação a chance para mudar o seu futuro. “Essa oportunidade me ajudará daqui um tempo a obter minha carteira de motorista. Também sei que o estudo me beneficia a permanecer menos tempo na cadeia”, diz. Ele foi condenado a a oito anos de reclusão por estupro, cujo crime afirma não ter cometido. 

Fonte: DM.com.br

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